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3 razões para parar de usar "fantasia de índio"

Atualizado: 17 de mai. de 2020

A "fantasia de índio" é uma polêmica que se ergue cada vez mais com a chegada do carnaval. Para sintetizar brevemente, separamos de forma bem simples e rápida três razões para que todos entendam porque se "fantasiar de indígena" é desrespeitoso e ofensivo. São muitas as razões e a discussão pode ser levada de forma muuuito mais profunda, por isso, além de separarmos alguns pontos básicos, indicamos também alguns textos para quem tem interesse de aprender mais afundo. Então, vamos lá:


1. Nossa cultura não é fantasia.

A primeira razão de todas é bem simples: nossa cultura não é fantasia. Se apropriar de elementos de outra cultura para se "fantasiar" automaticamente esvazia todos os significados e a identidade que os mesmos carregam. O cocar, as pinturas e grafismos e as diversas vestimentas são elementos sagrados que preservam a memória, história e sabedoria de cada povo. Cada pintura tem um significado diferente e até mesmo uma história de criação, que varia de povo para povo. A própria preparação e uso das diferentes tintas, ou também a coleta de penas para as tantas artes, também possuem seus ensinamentos. O cocar, por ser tão utilizado nas "fantasias", torna-se cada vez mais comercializado. Tudo que é tão sagrado para nós passa a se tornar mercadoria.

Essa questão já vem sendo discutida em outras regiões do mundo, e não é um incômodo que está sendo levantado agora. Para exemplificar, a campanha "We're a Culture, Not a Costume" (Nós somos uma cultura, não uma fantasia) foi lançada em 2012 por estudantes universitários da Universidade de Ohio, e ganhou grande repercussão por falar do racismo que as fantasias represenram para diversas nações — tanto para os povos nativos de toda Abya Yala*, como também da África e da Ásia.


2. A "fantasia de índio(a)" reforça esteriótipos racistas.

Se "fantasiar" de "indígena" reforça esteriótipos coloniais e, generaliza a ideia de que existe apenas um "índio", um "índio selvagem" e folclórico, que está preso no passado, que usa "tanga", fala português errado e segue o fenótipo genérico do cabelo preto, liso e dos olhos puxados. Isso desconsidera que os povos e as culturas indígenas são diversas, e que só no Brasil há mais de 305 etnias — não existe um "índio" e sim uma pessoa Pataxó, Krenak, Yanomami, Karajá, Tupinambá, Guarani, Pankararu, Xukuru e por aí vai. Falar errado, usando frases como "mim ser índio" ignora o fato que o português foi uma língua imposta pelo colonizador como estratégia de genocídio cultural e de etnocídio, que resultou em muita violência e morte, inclusive de muitas línguas (hoje, mais de 247 são faladas, e muitas têm poucos falantes vivos). Além de tudo isso, as "fantasias de índia" propagam de forma violenta a fetichização e hiperssexualização do corpo da mulher indígena, contribuindo diretamente com aumento da violência e com o abuso sexual às mulheres indígenas, fator que se soma a cultura do estupro.


Concluindo: se fantasiar de indígena, por mais "inofensivo" que pareça, fortalece um esteriótipo colonial, racista e etnocida – um esteriótipo que lutamos todos os dias para quebrar.



Arraste para o lado: (Foto 1) Hiperssexualização da mulher indígena: a modelo Karlie Kloss usa um cocar e ossos sagrados de povos nativos da América do Norte durante o desfile da Victoria's Secret, Novembro/2012; (Foto 2) A mercantilização de adereços sagrados; (Foto 3) Um exemplo dos tantos tutoriais de "maquiagem de índia" para o carnaval, que distorcem e desrespeitam tradições e a identidade cultural de cada povo.


3. Fantasia não é homenagem.

Se você conhece pelo menos um pouco a realidade dos povos e das terras indígenas, pode ter certeza que se fantasiar da nossa cultura não é uma homenagem. A luta indígena tem muitas pautas, como a demarcação de terras, a preservação e proteção de todas as formas de vida, direitos à educação e saúde, respeito à diversidade cultural, e muito mais. Uma "fantasia de ìndio", além de ridicularizar e inferiorizar as nossas culturas, apaga a própria ideia de diversidade que lutamos para ser reconhecida e não dá a mínima visibilidade para a nossa luta, muito menos para nossa existência.

A artista e comunicadora Daiara Tukano publicou algumas ideias para aqueles que fazem tanta questão de fazer uma homenagem a nós, indígenas, nesse carnaval. "Para poder contribuir a transformar a sociedade num espaço mais justo, igualitário e respeitoso da diversidade, precisamos nos questionar sobre os estereótipos que tecemos sobre a imagem dos outros e a compreensão de seus símbolos, reconhecendo que cada um tem sua história e uma identidade própria a ser respeitada, cultivada e celebrada." (via @Daiaratukano)






 

#VIindica: Busque saber, pesquisar, escutar e aprender. Conscientize-se. Confira outros materiais:

 

*Abya Yala na língua do povo Kuna significa “Terra madura”, “Terra Viva” ou “Terra em florescimento” e é sinônimo de América. O povo Kuna é originário da Serra Nevada no norte da Colômbia. (...) Muito embora os diferentes povos originários que habitam o continente atribuíssem nomes próprios às regiões que ocupavam – Tawantinsuyu, Anauhuac, Pindorama – a expressão Abya Yala vem sendo cada vez mais usada pelos povos originários do continente objetivando construir um sentimento de unidade e pertencimento. (significado via texto de Carlos Walter Porto-Gonçalves)


de Isa Santana para Visibilidade Indígena

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