Como apoiar as comunidades indígenas em tempos de pandemia?
Atualizado: 22 de set. de 2020
A pandemia não acabou. Já são mais de 32 mil casos confirmados e registrados de coronavírus entre indígenas, segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)— e os números só crescem*. Kokama, Xavante, Guajajara, Tikuna, Munduruku, Mebêngôkrê, Macuxi e Baré estão entre os 158 povos afetados pela doença, sendo que já são mais de 820 mortes registradas. Os povos indígenas tornam-se vítimas de mais uma enfermidade trazida pelos brancos, somando-se a doenças infecciosas como o sarampo, a varíola e a gripe, que historicamente dizimaram muitas etnias desde a invasão dos europeus. Tudo isso acontece frente a um governo que não prioriza os direitos básicos dos povos originários e segue compactuando com o etnocídio e ecocídio.

Os povos indígenas, além de terem que lidar com a insuficiência de uma saúde não especializada às demandas das comunidades, também enfrentam uma série de problemas que já vem se intensificando muito antes da pandemia. O incessante ataque e retrocesso do governo aos direitos originários, a invasão dos territórios por madeireiros e garimpeiros, a reintegração de posse, o avanço do desmatamento e da grilagem, o trabalho escravo, a prostituição, a desnutrição, o suicídio e a não demarcação de terras são alguns dos acontecimentos que constantemente geram problemas culturais, sociais e ambientais dentro das comunidades.

A epidemia xawara, ("epidemia-fumaça" ou "febre do ouro") — como denomina os Yanomami — vem sempre acompanhada do crescimento do garimpo, que se aproxima dos territórios mais próximos das cidades até os mais remotos. Na reserva Yanomami, território coberto de mata nativa localizado no interior de Roraima e Amazonas, estima-se a presença de mais de 20 mil garimpeiros. "Os Yanomami estão sendo infectados pelos garimpeiros. As pessoas estão adoecendo. A gente está muito preocupada e muito triste. Onde tem garimpo tem sintomas de Covid-19", conta Dário Kopenawa, liderança do povo Yanomami, em entrevista ao El País.
A Terra Indígena Yanomami está entre as sete regiões mais desmatadas no período em que o coronavírus começou a se espalhar pelo Brasil. Segundo dados publicados pelo ISA, as Terras Indígenas Kayapó, Araribóia, Munduruku, Uru-Eu-Wau-Wau, Karipuna e Trincheira-Bacajá também enfrentam situações críticas. As setes áreas totalizam mais de 2,4 mil hectares de florestas derrubadas, que é equivalente a 15 vezes o Parque do Ibirapuera, em São Paulo, segundo o ISA. A violência e degradação dos territórios vem acompanhada do aumento de casos de Covid-19.
São inúmeros e crescentes os casos de racismo, desrespeito e desumanização das sociedades e culturas indígenas. Rituais tradicionais que são realizados quando alguém da comunidade morre estão sendo suspendidos para frear o contágio da doença nos territórios. Muitos indígenas estão com medo de buscar tratamentos e não terem os corpos de seus entes queridos devolvidos à comunidade. “O coronavírus está quebrando a nossa crença. Você não vê o morto, não pode pintar nem abraçar. Todo mundo tem que se afastar. Isso dói, está machucando a nossa espiritualidade”, diz o cineasta Takumã Kuikuro, também em matéria para o El País. O caso sumiço dos corpos dos bebês Yanonami é um dos exemplos do tamanho descaso e desrespeito com a existência, a vida e a diversidade cultural e espiritual dos povos indígenas.
A ganância humana encontra-se cada vez mais faminta acelerando o avanço do desmatamento da Amazônia, independente do atual cenário pandêmico. O fogo engole o Pantanal e o Cerrado, queimando os corações e o sopro de vida dos animais, das plantas, das ervas medicinais, das árvores, das roças e da terra. Dados indicam que os incêndios já tomaram quase metade das terras indígenas do Pantanal, alcançando as TIs de diversos povos, como os Boe Bororo, Guató, Terena e Kadiwéu.
“As queimadas destruíram roças, queimaram casas. O fogo destruiu uma parte bem grande do nosso território, destruindo muitas árvores, animais, aves, prejudicando nossa fauna e flora e a nossa segurança alimentar, porque destruiu nossas roças. Estamos muito preocupado com as nossas matas porque é delas que retiramos o nosso sustento, as nossas medicações tradicionais. Com a queimada, tudo isso está comprometido. Não encontramos mais muitas ervas que usamos para tratar das enfermidades e também a palmeira acuri, que utilizamos para fazer cobertura das casas tradicionais e alguns utensílios, e pra fazer a chicha, uma bebida tradicional. Tudo está acabando”, desabafa Alessandra Guató em matéria para Publica.
Além de tudo, enquanto as queimadas e outros crimes ambientais avançam na Amazônia, o Brasil se depara com o risco de mais um etnocídio silencioso: dos povos indígenas isolados. "Não sabemos sequer se indígenas isolados estão vivos", diz Ivaneide Bandeira, ativista e coordenadora-geral da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, em entrevista para a DW Brasil.
Mães e pais, filhos e filhas, tios e tias, avôs e avós: a pandemia segue levando guardiões e guardiãs das culturas, contadores de histórias, curandeiros, parteiras, estudantes, artistas, médicos, intelectuais, profissionais, lideranças. Quando se perde a vida de um parente, muitos conhecimentos se vão e muitas histórias se adormecem. Nesses tempos sombrios, as comunidades indígenas se protegem de forma autônoma, aplicando barreiras sanitárias e fazendo o lockdown nas aldeias, cancelando eventos e reuniões internas e fortalecendo a medicina tradicional no tratamento contra o vírus.

Há diversas formas de apoiar as comunidades indígenas durante a pandemia, e são muitos os hábitos que devem ser cultivados para além do momento atual. De qualquer modo, considerando o contexto da pandemia, separamos alguns pontos essenciais, de forma bem simples:
1. Colabore com financiamentos coletivos
Apoie da forma que puder os financiamentos coletivos locais. Comunidades de diversas regiões do Brasil estão se mobilizando para a arrecadação de alimentos, EPIs e demais mantimentos durante o isolamento social. Muitas famílias que vivem da venda de artesanatos e turismo precisam respeitar o lockdown para evitar que a doença se espalhe para toda a aldeia. Confira:
S.O.S POVOS: o projeto reúne financiamentos coletivos e contas para arrecadações de comunidades indígenas de todo Brasil (confira no Facebook e Instagram).
S.O.S Indígenas do Amazonas: arrecada recursos financeiros para organizações reconhecidas, como a Federação de Organizações Indígenas do Alto Rio Negro (FOIRN), o Instituto Socioambiental, Expedicionários da Saúde e a Organização Kamuri.
Lista de financiamentos coletivos organizada pelo Instituto Socioambiental (ISA);
>>> Nas mídias indígenas como Rádio Yandê e Mídia Índia você também pode encontrar outros financiamentos coletivos, podendo apoiar também os brigadistas indígenas que estão controlando as queimadas na Amazônia, no Pantanal e no Cerrado.
2. Acompanhe mídias e organizações indígenas
As mídias e organizações de comunicadores indígenas compartilham notícias e atualizações de tudo que está acontecendo com os povos indígenas nas aldeias ou cidades, fazendo uma cobertura única de tudo que acontece através do contato direto com as lideranças, comunidades e organizações. Acompanhe-as nas redes sociais e nos sites:
APIB (Facebook e Instagram)
Outras organizações indígenas como COIAB, APOINME, REJUIND, +
Levante Indígena (Instagram)
3. Apoie produtores e empreendedores indígenas
Comprar diretamente de pessoas indígenas é fortalecer a produção local e apoiar as comunidades, fomentando a economia familiar e a autonomia. Clique aqui e confira a nossa lista de empreendimentos, marcas e produtores indígenas.
4. Apoie os artistas e a arte indígena contemporânea
São muitos os músicos, artistas visuais, artistas plásticos, atores e atrizes, performers, fotógrafos, designers e cineastas indígenas que produzem pensando sempre no coletivo, trazendo através de suas artes visibilidade e fortalecimento para a comunidade a qual pertencem e para a luta indígena. Acompanhe e fortaleça artistas indígenas contemporâneos através das redes sociais, divulgando e apoiando seus trabalhos, mobilizações e eventos; compre suas artes e indique-os para amigos e familiares. Conheça e participe de eventos, mostras, festivais e demais projetos culturais que tenha como foco e protagonismo os artistas e a arte indígena contemporânea.
No acervo digital de arte contemporânea do VI você pode conhecer alguns dos diversos artistas contemporâneos de todo o Brasil. Além disso, na plataforma experimental CINENATIVO, você encontra mais de 100 filmes totalmente gratuitos feitos por diversos cineastas indígenas de Abya Yala (América).
5. Compartilhe notícias, projetos e financiamentos
Se você não puder contribuir com os financiamentos coletivos, não deixe de compartilhá-los nas suas redes sociais, além de também divulgar notícias, informações, projetos e o trabalho de artistas e demais profissionais indígenas. As redes sociais se encontram como as principais ferramentas de difusão de informações. Mas não esqueça: sempre verifique se as fontes são confiáveis e nunca compartilhe fake news!
6. Pesquise, escute e deixe os indígenas falarem!
Pesquise, aprenda e escute. O combate ao preconceito e o reconhecimento das pluralidades dos povos indígenas só sera possível através da educação e da informação. É preciso escutar e deixar os indígenas falarem. Muitas coisas podem parecer subjetivas para quem não vive o racismo na pele, e por essa razão, é necessário o reconhecimento do lugar de fala.
Dialogar é importante para combater qualquer tipo de preconceito, mas não espere que as pessoas indígenas sirvam todas as informações necessárias para que você seja antirracista. Existe uma série de materiais educativos como livros, plataformas de streaming, sites, vídeos, filmes e textos disponíveis na internet. Reconhecer a diferença das narrativas e o racismo que carregamos é o primeiro passo para um caminho de mais respeito e desconstrução.

*Há uma divergência na contagem de casos entre os dados da Apib e do Ministério da Saúde: os dados do governo não contam os indígenas que vivem na cidade, logo, desconhece a presença de mais de 250 mil indígenas nas áreas urbanas, como aconteceu com o caso da morte da indígena anciã do povo Borari não reconhecida pelo estado. Apesar da prevalência do coronavírus entre a população indígena que vive em áreas urbanas ser cinco vezes à encontrada na população branca, segundo o estudo coordenado pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), a política de saúde indígena vigente não atende indígenas que vivem no contexto urbano, negando novamente os direitos básicos dos povos tradicionais. >>> Acompanhe os dados de casos de Covid-19 entre indígenas clicando aqui.
Texto de Isabela Santana
Para Visibilidade Indígena
Links para conferir
(Perspectivas indígenas na pandemia):
Livro "O amanhã não está a venda", de Ailton Krenak. Baixe aqui gratuitamente.
Lembranças do passado e o medo do presente: nós indígenas diante da pandemia, por Franciele Baniwa.
"O ouro canibal", de Davi Kopenawa.
"Piração", de Sandra benites: a percepção enquanto mulher indígena sobre explosão da pandemia.
Projeto Nhemongueta Kunhã Mbaraete: uma troca de videocartas entre três mulheres indígenas e uma não indígena, sob a perspectiva afetiva, etnofilosófica e crítica perante o processo atual de isolamento social e ao universo que as permeia. Confira também no instagram.
Mirando mundos possíveis: plataforma de vídeos criada com o intuito de divulgar as diferentes formas de compreensão e estratégias adotadas pelas populações indígenas em contexto de enfrentamento à pandemia de coronavírus.
Memorial Vagalumes: memorial de vítimas indígenas da Covid-19.