Leia Mulheres Indígenas: 25 escritoras para você conhecer
Chega de matar minhas cantigas e calar a minha voz:
É preciso que a pessoa relate.
Esta é minha história/Tenho muito pra contar!
Estão nas linhas invisíveis, nas sombras das folhas, no silêncio dos parágrafos.
Abre esses teus olhos de ver e esses teus ouvidos de ouvir e vem ver o mundo além da tua cela.
-Você me olhou com o coração e não com os olhos.
Vem sentir minhas raízes, espalhadas nesse chão.
Tive um sonho e uma voz disse que era pra nóis segui o caminho do sol, que nós vai encontrar nossos parentes!
Seu pássaro preferido é a arara-azul
Gente, animal e planta se afinam juntos.
Fazemos arte como expressão do cotidiano [...] para lembrar os nossos encantados!
Em volta da fogueira: memória, história/O mundo se recria
Na busca pelo direito/De ter nosso território ancestral
E eternizar o ciclo encantado que sustenta os povos originários pelo mundo afora e pela tradição adentro.

A letra da mulher indígena é coletiva: ela escreve com a voz da mata, da floresta, dos animais, das avós, dos avós, da aldeia, dos encantados. Auritha Tabajara sempre diz que como mulher indígena, ela escreve com muitas vozes, com as vozes do pertencimento.
Viemos à sociedade dominante reivindicar nossos nomes, tradições e lutar pela demarcação de nossos territórios tradicionais. Assim, o projeto Leia Mulheres Indígenas nasce com a intenção de reunir as escritoras, a fim de estabelecer muitos diálogos, e, com isso, desconstruir os estereótipos vigentes na cultura nacional sobre o corpo da mulher indígena, seu lugar no mundo, seus saberes tradicionais.
Mostramos nossos rostos para reiterar que “Não somos Iracema!”: somos Eliane Potiguara, Denízia Kawany Fulkaxó, Auritha Tabajara, Julie Dorrico, Fernanda Vieira, Maria Kerexu, Aline Pachamama, Shirley Krenak, Lia Minapóty, Djuena Tikuna, Graça Graúna, Márcia Kambeba, Aline Kayapó!
Cito em sequência estas autoras porque elas são as autoras das frases de resistência que dão início a esse texto de apresentação. As duras palavras nos mostram a vontade de existir no mundo, de ser sujeito, de querer dizer suas palavras de encantamento, de se libertar do exílio histórico perpetrado contra elas, de ser gente.
O Leia Mulheres Indígenas é uma rede de difusão das produções, em língua portuguesa e/ou materna, das mulheres indígenas residentes em território nacional brasileiro. Esta rede é constituída pelas próprias escritoras: Aline Ngrenhtabare Kayapó, Aline Pachamama, Auritha Tabajara, Chirley Pankará, Denízia Kawany Fulkaxó, Eva Potiguar, Fernanda Vieira, Geni Núñez, Iasipitã Potiguara, Julie Dorrico, Márcia Kambeba, Márcia Mura, Telma Tremembé, Txama Puri, Zélia Puri com a intenção de gradativamente agregar à rede todas as escritoras indígenas que se manifestarem interessadas.
Na esteira do Leia Mulheres*, projeto que valoriza a produção intelectual das mulheres no Brasil, valemo-nos dessa ferramenta para ampliar a divulgação das mulheres indígenas e suas publicações autorais no Brasil.
Há no Brasil um levantamento de escritores indígenas. Esse levantamento é atualizado com frequência classificando o(a) autor(a) indígena de acordo com o seu povo/etnia. O nome do site se chama Bibliografia das Publicações Indígenas no Brasil. Lá encontrei a maioria das escritoras indígenas, mas eu conhecia outras que não estavam contempladas na lista. Por isso comecei a fazer um trabalho de divulgação das escritoras indígenas que já conhecia, fiz isso no meu perfil pessoal do instagram, mas como uso minha conta para divulgação das lutas dos povos e sujeitos indígenas, considerei, junto a outras parentas, que a divulgação merecia uma página que concentrasse o público-leitor interessado no tema. Assim nasceu o Leia Mulheres Indígenas, primeiro no facebook e depois no instagram.
A ideia da divulgação gira em torno de quatro elementos desde o início:
a foto da autora, para que a sociedade dominante passe a conhecer e reconhecer os rostos das escritoras indígenas;
nas informações essenciais sobre o nome próprio de povo e área de atuação que estão ao lado da foto, para que as instituições e grupos/clubes de leitura saibam sua formação ou área de atuação, e assim, possam convidá-las para palestras e oficinas, ou outras atividades; além disso, na legenda da foto/publicação há a descrição da biografia e das publicações de forma detalhada;
as capas dos livros, a fim de comprovar sua publicação autoral, e também para que a sociedade não indígena, e até mesmo a indígena, conheça tais obras;
e, por fim, onde conseguir adquirir/comprar a obra. Esta informação vem na legenda porque as distribuições se dão em diferentes lugares: quando a autora distribui sua obra, indicamos o perfil pessoal, e em seguida indicamos o perfil da livraria onde se pode comprar a obra. Recentemente fizemos uma parceria com a Livraria Maracá (@livrariamaraca) que tem sido referência na distribuição das obras indígenas, por ser especializada em literatura e saberes indígenas indicamos, depois das autoras próprias, a procura das obras nela, e depois, em sebos e estantes virtuais.
Considerando que já temos mais de trinta obras das mulheres indígenas levantadas, passaremos para a segunda etapa do projeto: a leitura e a discussão das obras. A intenção para realizar esta etapa procura envolver as escritoras indígenas acima elencadas, constituintes desse projeto, como mediadoras das leituras.
Aproveitando essa experiência de lives e sabendo que as escritoras indígenas residem em diversas regiões do país, pretende-se fazer rodízio com as escritoras para que cada mês uma possa fazer a live e mediar a leitura. A proposta de pôr à frente uma mulher indígena também é estratégica, posto que as mulheres indígenas tendem a conhecer os códigos da cultura indígena, as tradições, os modos de vida, os termos utilizados na causa indígena. Tais conhecimento servem como guia na leitura de uma obra indígena. As escritoras indígenas e suas respectivas obras apresentadas são:
1. Eliane Potiguara
Metade cara, metade máscara (2004)
O coco que guardava a noite (2012)
O pássaro encantado (2014)
A cura da terra (2015)
2. Márcia Wayna Kambeba
Ay Kakyrytama: eu moro na cidade (2018)
O lugar do saber (2018)
3. Auritha Tabajara
Coração na aldeia, pés no mundo (2018)
4. Lia Minapóty (Maraguá)
Tainãly, uma menina Maraguá (2014)
Com a noite veio o sono (2011)
5. Aline Pachamama (Puri)
Pachamama: a poesia é a alma de quem escreve (2015)
Taynôh: o menino que tinha cem anos (2019)
Mulheres Guerreiras (2018)
6. Vãngri Kaingang
Jóty, o tamanduá: reconto Kaingáng (2010) [co-autoria com Maurício Negro]
Estrela Kaingang: a lenda do primeiro pajé (2016)
7. Denízia Kawany Fulkaxo (Kariri-Xocó)
Contos Kariri-Xocó: contos indígenas (2014)
Kariri-Xocó: contos indígenas vol. 2 (2019)
8. Márcia Mura
O espaço lembrado: experiências de vida em seringais da Amazônia (2013)
9. Graça Graúna (Potiguara)
Criaturas de Ñanderu (2010)
Contrapontos da literatura indígena brasileira contemporânea (2013)
Flor da mata (2014)
10. Aline Kayapó
Nós (Amor originário, 2019)
11. Chirley Pankará
Nãna e os potes de barro (2019)
12. Telma Pacheco Tremembé
Raízes do meu ser: meu passado presente indígena (2019
13. Maria Kerexu (Guarani)
A mulher que virou Urutau (2011) [Co-autoria com Olívio Jekupé]
14. Kerexu Mirin (Guarani)
A índia voadora (2005)
15. Shirley Djukurnã Krenak
A onça protetora (2007)
16. Célia Xakriabá
O barro, o jenipapo e o giz no fazer epistemológico de autoria Xakriabá: reativação da memória por uma educação territorializada
Brasília inspira poesia (poesia publicada)
17. Eva Potiguar (Potiguara)
Do casulo à borboleta: a poesia da resiliência e da autoformação humana
Gatos diversos
18. Fernanda Vieira (Xocó)
Crônicas ordinárias (2017)
19. Julie Dorrico (Macuxi)
Eu sou macuxi e outras histórias (2019)
20. Zélia Puri
Coleção Semear (2018)
Amor em pecado
Descaminhos
21. Djuena Tikuna
Wiyaegü (2019)
22. Lidia Krexu Rete Veríssimo (Guarani)
Varai Para’i Regua – O balaio enfeitado
23. Niara Terena
As aventuras de Angelina e o bruxo do sofrimento
24. Morena, Amarú e Isa Santana (Pataxó)
(ID)entidades (2019)
25. Rosi Whaikon
Nós (Yawareté açu, o jabuti e a onça-pintada, 2019)
Para identificar o povo das escritoras eu sublinhei aquelas que carregam o nome de povo em sua assinatura autoral. Para aquelas que não carregam o nome do povo, acrescentei ao lado entre aspas para melhor identificação. As escritoras acima possuem livros publicados por editoras privadas com circulação no mercado editorial. As que não aparecem o ano são obras que consegui identificar mas que não possuo, por isso está sem o ano. Mas no geral, são obras que podem ser encontradas na busca pelos nomes próprios das autoras, ou pelos nomes das obras, na Livraria Maracá ou nos sites de venda online.
Encerro esta breve apresentação expressando minha dor e meu sentimento de orgulho diante de cada frase lançada, diante de cada livro publicado, diante das palestras realizadas, lives, oficinas que transformam todo dia, ainda que só um pouquinho, a sociedade nacional, cega e surda às sabedorias tradicionais. A força da mulher indígena emana da terra, da Mãe Terra, Pachamama, que nós nos permitamos vê-las e ouvi-las mais. Afinal, é chegado o tempo de falarmos sobre nossos direitos, nossas vozes, nossas memórias ancestrais, nossas histórias.
De Julie Dorrico para Visibilidade Indígena
* O Projeto Leia Mulheres é corolário da hashtag proposta pela escritora Joanna Walsh, em 2014, o #readingwomen2014 (LeiaMulheres2014). No Brasil, a ideia foi abraçada, no ano de 2015, pelas amigas Juliana Leuenroth e Michelle Henriques, com intuito de transformar a ideia de Joanna Walsh em “algo presencial em livrarias e espaços culturais”. O convite à leitura das produções das mulheres abarca desde obras clássicas a contemporâneas. Disponível em: https://leiamulheres.com.br/sobre-nos/

Julie Dorrico é macuxi. Autora de “Eu sou macuxi e outras histórias”, publicado pela editora Caos e Letras (2019). Doutoranda em Teoria da Literatura na PUCRS.